As criadas dos anos 70 passaram a "empregadas domésticas" e preparam-se agora para receber menção de "auxiliares de apoio doméstico". De igual modo, extinguiram-se nas escolas os "contínuos" passando todos a "auxiliares da acção educativa". Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por "delegados de informação médica". E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em "técnicos de vendas". O aborto eufemizou-se em "interrupção voluntária da gravidez". Os gangs étnicos são "grupos de jovens". Os operários fizeram-se de repente "colaboradores". As fábricas, essas, vistas de dentro são "unidades produtivas" e vistas da "estranja" são "centros de decisão nacionais". O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à "iliteracia" galopante. Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutaveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes "Conforto" e "Turística". A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: "Sou mãe solteira..." agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: "Tenho uma família mono parental..." eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e "terroristas", diz-se modernamente que têm um "comportamento disfuncional hiperactivo". Do mesmo modo, e para felicidade dos "encarregados de educação", os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, "crianças de desenvolvimento instável". Ainda há cegos, infelizmente. Mas como se a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê, é considerado "invisual". (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o "politicamente correcto" marimba-se para as regras gramaticais...)
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em "implementações", "posturas pró-activas", "políticas fracturantes" e outros barbarismos da linguagem. E assim "linguarejamos" o Português, vagueando perdidos entre a "correcção política" e o novo-riquismo linguístico. Estamos lixados com este "novo português", não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma "politicamente correcta".
Assim anda o povo e o português...
in "A Página da Micas"
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